O Acórdão emitido
pelo STA, de processo 047025, de 29 de Outubro de 2002, tem especial relevância
no que diz respeito à aplicação dos princípios constitucionais na atividade
administrativa, mais especificamente, os princípios da igualdade, justiça,
proporcionalidade e imparcialidade na medida da sua importância para o respeito
pelos direitos dos particulares e enquanto limites à atuação da Administração.
Resumidamente, o
recurso interposto por A vem no sentido de requerer a anulação do despacho do
Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza,
através do qual foi expropriado prédio seu, pelo que lhe vem imputar diversas
ilegalidades, cabendo ao Tribunal aferir da sua efetiva existência.
Primeiramente, A vem
alegar que, pelas particulares características do seu imóvel, a sua parcela em
processo de expropriação seria, na verdade, a menos aconselhada para a
localização de qualquer estação de tratamento de lixos, sendo este o fim de
interesse público a ser prosseguido no caso em apreço. Neste sentido, o seu
imóvel estaria ,segundo ele, demasiado próximo de um aglomerado populacional,
ao que se acresce o facto de existir, na área envolvente, uma escola primária,
um recente loteamento urbano infra-estruturado e inúmeras construções,
nomeadamente moradias familiares. Dever-se-ia também ter em consideração a sua
proximidade de serviços de apoio cívico/social,
entre os quais se encontram estabelecimentos de saúde, estabelecimentos de
ensino, quer secundário, quer universitário, farmácias, correios, agências
bancárias, equipamentos de lazer, entre outros, tudo razões que justificavam,
aos olhos de A, a inadequação da escolha da sua propriedade para aquele fim.
Ora, pelo teor destas primeiras alegações facilmente conseguimos
delinear a sua linha de pensamento, podendo vir a ser sustentada uma potencial violação
dos princípios da igualdade, justiça e proporcionalidade. Naturalmente, caberá
ao Tribunal verificar se o ato impugnado está ou não em violação destes
princípios, devendo os mesmos ser observados enquanto limite para a atuação
discricionária da administração.
Assim, o princípio da igualdade terá como objetivo impor o tratamento
igual de situações iguais e o tratamento diverso de situações diversas. "Em termos negativos, o princípio da
igualdade proíbe tratamentos preferenciais; em termos positivos, obriga a
Administração a tratar de modo igual situações iguais" (Gomes Canotilho/Vital
Moreira, Constituição da República
Portuguesa Anotada). Nas palavras de Freitas do Amaral, a igualdade
projeta-se fundamentalmente na proibição da discriminação e na obrigação da
diferenciação.
O princípio da justiça, por sua vez, deverá ser encarado como a
obrigatoriedade de a Administração pautar a sua actividade por critérios
materiais ou de valor constitucionalmente consagrados, integrando não só as
ideias da igualdade e da proporcionalidade, mas também da boa-fé, razoabilidade,
dignidade da pessoa humana e do respeito dos seus direitos fundamentais.
De interesse será também compreender a integral relevância do princípio
da proporcionalidade para este caso concreto, designadamente enquanto vértice
da atuação administrativa discricionária, podendo ser decomposto em três
vertentes de aplicação: (i) Exigibilidade, isto é, a indispensabilidade do ato
para a prossecução do interesse público; (ii) Adequação; (iii)
Proporcionalidade em sentido estrito ou equilíbrio
Fundamentalmente tem este princípio como objetivo garantir que a ação
adequada para a prossecução do interesse público, por parte da Administração,
seja o menos lesiva possível para os direitos dos particulares, uma ideia que
pode ser facilmente aplicável a este caso.
Adicionalmente, contribuindo também para esta sua visão dos factos, o
recorrente vem chamar a atenção do Tribunal para a existência de uma outra
parcela de terreno, segundo ele, de características certamente mais adequadas
ao fim que se pretende prosseguir, com um terreno maior que o seu, em redor do
qual não existem quaisquer escolas, áreas residenciais, ou serviços de apoio
cívico/social e onde a entidade expropriante possui já um estaleiro,
questionando se não deveria ter sido este o terreno expropriado ao invés do
seu.
Paralelamente, esta questão torna-se também ela relevante podendo estar
em causa uma eventual violação do princípio da imparcialidade uma vez que A vem
alegar que o ato administrativo teria por base uma deliberação da entidade
expropriante em que participou o próprio filho do titular da já referida
propriedade.
Ora, este princípio vem essencialmente tentar estabelecer uma garantia
de imparcialidade na atividade administrativa devendo a mesma, de tal forma,
pautar-se pela igualdade no tratamento dos interesses dos cidadãos, idealmente
através de um critério uniforme de prossecução do interesse público.
Por violação dos princípios supramencionados vem assim A pedir a
anulação do despacho de expropriação, com fundamento em ilegalidade, mais
especificamente por violação do artigo 266º da CRP, mas também pelos art. 4º
(Princípio da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e
interesses dos cidadãos); art.6º (Princípio da Igualdade); art.7º (Princípio da
proporcionalidade) e art.9º (Princípio da imparcialidade), do Código do
Procedimento Administrativo.
Inversamente, os recorridos (a autoridade recorrida e dois recorridos
particulares) vêm alegar em sentido contrário ,concluindo, por seu turno, pela
legalidade do despacho, não havendo qualquer violação da legalidade no
procedimento e processo expropriativo, tendo sido respeitados os princípios
gerais a que estão adstritos os órgãos e agentes administrativos.
Mais especificamente, vem tornar-se claro que não cabe a um destes
particulares saber se a parcela de terreno de que é proprietário é ou não a
mais aconselhada para a localização das Estações de transferência e triagem,
sendo que, logicamente, a escolha da localização das referidas estações foi
objecto de discussão por parte das entidades competentes, nomeadamente sobre os
impactos da mesma. De igual modo, considera-se que o facto de o filho do ora
recorrido ser funcionário de uma das entidades com poderes deliberativos na
escolha da localização das referidas estações é de total irrelevância para o
presente recurso, sendo certo que este não seria detentor, por si só, de
qualquer poder de decisão. Desmentindo as alegações de A, os recorridos
clarificam também que na parcela de terreno referida por A, pertencente a um
dos recorridos, não existe ,na verdade, qualquer estaleiro, mas somente um
aterro onde são feitas descargas de lixo, estando já também em curso um outro processo
de expropriação relativo a esse terreno, levado a cabo por uma outra entidade
expropriante.
Todavia, a entidade expropriante recorrida neste caso, argumenta também
que o direito de propriedade ou o direito a uma justa indemnização pela
expropriação foi devidamente acautelado, acrescentando que o despacho que declarou a utilidade pública
da expropriação não violou princípios informadores das normas aplicáveis nem
direitos ou interesses com tutela legal de que fosse titular o recorrente.
Perante esta realidade factual, o Tribunal decidiu, e a meu ver
acertadamente, improcedentes as conclusões de A, acordando consequentemente,
pela negação de provimento ao recurso interposto.
Em primeiro lugar, quanto ao do princípio da igualdade, e considerando a
exposição anterior da medida em que este princípio releva em casos desta
natureza, tratando-se este de um acto expropriativo em que se impõe um
sacrifício especial ao expropriado perante o interesse público, a realização do
mesmo traduz-se na fixação de uma indemnização justa e equitativa, a pagar pela
entidade expropriante para compensar a perda patrimonial do expropriado.
Em segundo lugar, tomando em consideração também o já
referido acerca dos princípios da proporcionalidade, justiça e imparcialidade alegadamente
violados, não se vê que o acto expropriativo impugnado, uma vez paga a justa
indemnização, possa estar em contradição dos mesmos. Designadamente, não se vê
que possa de alguma forma ter imposto ao recorrente sacrifícios infundados,
desnecessários em função dos fins de interesse público que a Administração visa
realizar através de tal acto, ou que a decisão de localização da estação de transferência
e triagem de resíduos sólidos recicláveis, em local que inclui a utilização do
seu terreno tenha sido tomada por razões que não tivessem a ver com a
realização daquele interesse público em função de parâmetros técnico-ambientais
e de ordenamento do território subjacentes. A isto acresce o facto de se
considerar que não haveria razões que apontassem para a violação do princípio
da imparcialidade visto que o particular recorrido não fazia parte do órgão
decisor, não sendo também órgão ou agente administrativo que houvesse que decidir
sobre a localização da estação de tratamento em causa.
Bibliografia:
JOÃO CAUPERS/ VERA
EIRÓ, “Introdução ao Direito
Administrativo”, 12ª edição, Âncora, Lisboa, 2016
MARCELO REBELO DE
SOUSA / ANDRÉ SALGADO DE MATOS, “Direito
Administrativo Geral”
DIOGO FREITAS DO
AMARAL, “Curso de Direito Administrativo”,
volume II, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2013
Ricardo Gonçalves Ferreira
57016
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