Tuesday, May 1, 2018

Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo 047025, de 29 de Outubro de 2002


O Acórdão emitido pelo STA, de processo 047025, de 29 de Outubro de 2002, tem especial relevância no que diz respeito à aplicação dos princípios constitucionais na atividade administrativa, mais especificamente, os princípios da igualdade, justiça, proporcionalidade e imparcialidade na medida da sua importância para o respeito pelos direitos dos particulares e enquanto limites à atuação da Administração.
Resumidamente, o recurso interposto por A vem no sentido de requerer a anulação do despacho do Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza, através do qual foi expropriado prédio seu, pelo que lhe vem imputar diversas ilegalidades, cabendo ao Tribunal aferir da sua efetiva existência.
Primeiramente, A vem alegar que, pelas particulares características do seu imóvel, a sua parcela em processo de expropriação seria, na verdade, a menos aconselhada para a localização de qualquer estação de tratamento de lixos, sendo este o fim de interesse público a ser prosseguido no caso em apreço. Neste sentido, o seu imóvel estaria ,segundo ele, demasiado próximo de um aglomerado populacional, ao que se acresce o facto de existir, na área envolvente, uma escola primária, um recente loteamento urbano infra-estruturado e inúmeras construções, nomeadamente moradias familiares. Dever-se-ia também ter em consideração a sua proximidade de serviços de apoio cívico/social, entre os quais se encontram estabelecimentos de saúde, estabelecimentos de ensino, quer secundário, quer universitário, farmácias, correios, agências bancárias, equipamentos de lazer, entre outros, tudo razões que justificavam, aos olhos de A, a inadequação da escolha da sua propriedade para aquele fim.
Ora, pelo teor destas primeiras alegações facilmente conseguimos delinear a sua linha de pensamento, podendo vir a ser sustentada uma potencial violação dos princípios da igualdade, justiça e proporcionalidade. Naturalmente, caberá ao Tribunal verificar se o ato impugnado está ou não em violação destes princípios, devendo os mesmos ser observados enquanto limite para a atuação discricionária da administração.
Assim, o princípio da igualdade terá como objetivo  impor o tratamento igual de situações iguais e o tratamento diverso de situações diversas. "Em termos negativos, o princípio da igualdade proíbe tratamentos preferenciais; em termos positivos, obriga a Administração a tratar de modo igual situações iguais" (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada). Nas palavras de Freitas do Amaral, a igualdade projeta-se fundamentalmente na proibição da discriminação e na obrigação da diferenciação.
O princípio da justiça, por sua vez, deverá ser encarado como a obrigatoriedade de a Administração pautar a sua actividade por critérios materiais ou de valor constitucionalmente consagrados, integrando não só as ideias da igualdade e da proporcionalidade, mas também da boa-fé, razoabilidade, dignidade da pessoa humana e do respeito dos seus direitos fundamentais.
De interesse será também compreender a integral relevância do princípio da proporcionalidade para este caso concreto, designadamente enquanto vértice da atuação administrativa discricionária, podendo ser decomposto em três vertentes de aplicação: (i) Exigibilidade, isto é, a indispensabilidade do ato para a prossecução do interesse público; (ii) Adequação; (iii) Proporcionalidade em sentido estrito ou equilíbrio
Fundamentalmente tem este princípio como objetivo garantir que a ação adequada para a prossecução do interesse público, por parte da Administração, seja o menos lesiva possível para os direitos dos particulares, uma ideia que pode ser facilmente aplicável a este caso.
Adicionalmente, contribuindo também para esta sua visão dos factos, o recorrente vem chamar a atenção do Tribunal para a existência de uma outra parcela de terreno, segundo ele, de características certamente mais adequadas ao fim que se pretende prosseguir, com um terreno maior que o seu, em redor do qual não existem quaisquer escolas, áreas residenciais, ou serviços de apoio cívico/social e onde a entidade expropriante possui já um estaleiro, questionando se não deveria ter sido este o terreno expropriado ao invés do seu.
Paralelamente, esta questão torna-se também ela relevante podendo estar em causa uma eventual violação do princípio da imparcialidade uma vez que A vem alegar que o ato administrativo teria por base uma deliberação da entidade expropriante em que participou o próprio filho do titular da já referida propriedade.
Ora, este princípio vem essencialmente tentar estabelecer uma garantia de imparcialidade na atividade administrativa devendo a mesma, de tal forma, pautar-se pela igualdade no tratamento dos interesses dos cidadãos, idealmente através de um critério uniforme de prossecução do interesse público.
Por violação dos princípios supramencionados vem assim A pedir a anulação do despacho de expropriação, com fundamento em ilegalidade, mais especificamente por violação do artigo 266º da CRP, mas também pelos art. 4º (Princípio da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos); art.6º (Princípio da Igualdade); art.7º (Princípio da proporcionalidade) e art.9º (Princípio da imparcialidade), do Código do Procedimento Administrativo.
Inversamente, os recorridos (a autoridade recorrida e dois recorridos particulares) vêm alegar em sentido contrário ,concluindo, por seu turno, pela legalidade do despacho, não havendo qualquer violação da legalidade no procedimento e processo expropriativo, tendo sido respeitados os princípios gerais a que estão adstritos os órgãos e agentes administrativos.
Mais especificamente, vem tornar-se claro que não cabe a um destes particulares saber se a parcela de terreno de que é proprietário é ou não a mais aconselhada para a localização das Estações de transferência e triagem, sendo que, logicamente, a escolha da localização das referidas estações foi objecto de discussão por parte das entidades competentes, nomeadamente sobre os impactos da mesma. De igual modo, considera-se que o facto de o filho do ora recorrido ser funcionário de uma das entidades com poderes deliberativos na escolha da localização das referidas estações é de total irrelevância para o presente recurso, sendo certo que este não seria detentor, por si só, de qualquer poder de decisão. Desmentindo as alegações de A, os recorridos clarificam também que na parcela de terreno referida por A, pertencente a um dos recorridos, não existe ,na verdade, qualquer estaleiro, mas somente um aterro onde são feitas descargas de lixo, estando já também em curso um outro processo de expropriação relativo a esse terreno, levado a cabo por uma outra entidade expropriante.
Todavia, a entidade expropriante recorrida neste caso, argumenta também que o direito de propriedade ou o direito a uma justa indemnização pela expropriação foi devidamente acautelado, acrescentando que  o despacho que declarou a utilidade pública da expropriação não violou princípios informadores das normas aplicáveis nem direitos ou interesses com tutela legal de que fosse titular o recorrente.
Perante esta realidade factual, o Tribunal decidiu, e a meu ver acertadamente, improcedentes as conclusões de A, acordando consequentemente, pela negação de provimento ao recurso interposto.
Em primeiro lugar, quanto ao do princípio da igualdade, e considerando a exposição anterior da medida em que este princípio releva em casos desta natureza, tratando-se este de um acto expropriativo em que se impõe um sacrifício especial ao expropriado perante o interesse público, a realização do mesmo traduz-se na fixação de uma indemnização justa e equitativa, a pagar pela entidade expropriante para compensar a perda patrimonial do expropriado.
Em segundo lugar, tomando em consideração também o já referido acerca dos princípios da proporcionalidade, justiça e imparcialidade alegadamente violados, não se vê que o acto expropriativo impugnado, uma vez paga a justa indemnização, possa estar em contradição dos mesmos. Designadamente, não se vê que possa de alguma forma ter imposto ao recorrente sacrifícios infundados, desnecessários em função dos fins de interesse público que a Administração visa realizar através de tal acto, ou que a decisão de localização da estação de transferência e triagem de resíduos sólidos recicláveis, em local que inclui a utilização do seu terreno tenha sido tomada por razões que não tivessem a ver com a realização daquele interesse público em função de parâmetros técnico-ambientais e de ordenamento do território subjacentes. A isto acresce o facto de se considerar que não haveria razões que apontassem para a violação do princípio da imparcialidade visto que o particular recorrido não fazia parte do órgão decisor, não sendo também órgão ou agente administrativo que houvesse que decidir sobre a localização da estação de tratamento em causa.

Bibliografia:
JOÃO CAUPERS/ VERA EIRÓ, “Introdução ao Direito Administrativo”, 12ª edição, Âncora, Lisboa, 2016
MARCELO REBELO DE SOUSA / ANDRÉ SALGADO DE MATOS, “Direito Administrativo Geral”
DIOGO FREITAS DO AMARAL, “Curso de Direito Administrativo”, volume II, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2013

Ricardo Gonçalves Ferreira
57016

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